Nesta quarta-feira (29), a prefeitura de São Paulo começou a fiscalização das regras de uso dos patinetes compartilhados na cidade. Foram apreendidos nada menos do que 557 veículos, em uma caça aos patinetes realizada por guardas metropolitanos e agentes da subprefeitura de Pinheiros. Segundo a Grow, dona das marcas Yellow e Grin, cerca de 400 aparelhos acabaram danificados na operação.
Houve relatos de patinetes sendo retirados diretamente da mão de usuários, de funcionários da Grow e ainda de estacionamentos em áreas privadas. Segundo a gestão Bruno Covas (PSDB), como a empresa não se cadastrou como operadora de transporte até a última terça-feira (28), estava atuando de forma irregular. “Nenhuma empresa está acima da lei”, declarou o prefeito.
A empresa, porém, argumenta que o município não tem competência para legislar a matéria e que a regulamentação compete apenas à União.
Entre os principais pontos do decreto de Covas estão a restrição do trânsito de patinetes apenas nas ciclovias, ciclorrotas e ruas cuja velocidade máxima seja de 40km/h e a obrigatoriedade do uso de capacete por parte das operadoras, além da proibição de estacionar os equipamentos em locais públicos. Foi determinado ainda que os patinetes não podem ser utilizados para o transporte de cargas e animais. A medida, portanto, prejudica a atividade de muitos entregadores de aplicativos como Rappi e iFood. O decreto fixa multas entre R$ 100 e R$ 20 mil para usuários e operadoras.
O vereador de São Paulo Fernando Holiday (DEM) criticou a ação da prefeitura, que chamou de “roubo à iniciativa privada”. Ele protocolou o Projeto de Decreto Legislativo nº 43/2019, que busca cassar o decreto do prefeito que regula os patinetes. Ouvido pela Gazeta do Povo, ele afirmou que “o decreto de Covas é absurdo e mostra a sanha estatal de meter o dedo em toda inovação que venha da iniciativa privada. A prefeitura iniciou uma série de medidas arbitrárias, como apreensões. Tudo sem base em lei”.
O vereador entrará ainda com uma denúncia junto ao Ministério Público para que a Justiça interrompa as ações da prefeitura em relação às apreensões dos patinetes.
Em fevereiro, a Yellow já teve problemas na cidade de Vila Velha, região metropolitana de Vitória, no Espírito Santo. Na ocasião, bicicletas e patinetes foram apreendidos pela prefeitura e a empresa foi multada em R$ 120 mil.
Proibindo a proibição
Na tarde desta quinta-feira (30), os deputados federais Vinicius Poit (Novo-SP) e Lucas Gonzalez (Novo-MG) protocolaram o projeto de lei nº 3.242 para regulamentar o transporte com veículos ciclomotorizados elétricos.
A proposição fixa limites de velocidade de acordo com a resolução existente, datada de 2013, segundo a qual os usuários de patinetes podem trafegar em áreas destinadas a pedestres, atingindo velocidade de até 6 km/h, e em ciclovias e ciclofaixas, chegando até 20 km/h. A legislação proposta ainda permite o “livre estacionamento dos veículos, desde que não interfira nas vias públicas" e a não-obrigatoriedade do uso de equipamento de segurança, ficando “a cargo e responsabilidade do usuário”. Além disso, ela dispensa a regulamentação municipal da modalidade, “por se tratar de serviço privado”.
Em conversa com a Gazeta do Povo, Poit defendeu o uso dos veículos. “Os patinetes são mais amigáveis para os pedestres e ciclistas, complementando o transporte público”, afirma. Ele disse ainda que “as cidades do futuro terão que pensar na harmonia entre o cidadão e os meios de transporte".
Já Gonzalez argumentou que o PL regulamenta pontos básicos de segurança e logística, “garantindo um ambiente sustentável e juridicamente seguro para que as empresas possam contribuir com a mobilidade urbana de forma efetiva”. “[O PL estabelece] diretrizes que norteiam as demais legislações que venham a existir nos municípios”, complementa.
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Questionado sobre a necessidade de fazer um projeto de lei para garantir a livre iniciativa - um princípio constitucional - contra regulamentações municipais excessivas e que desestimulam investimentos no setor, conforme a justificativa que consta no projeto de lei, o deputado Lucas Gonzalez foi enfático: “Infelizmente é necessário que façamos medidas que garantam a livre iniciativa e a modernização. Como nos anos passados aconteceu com os aplicativos de transporte e o que tem acontecido com o AirBnB, por exemplo, a pressão de setores que são contrários à implementação de alternativas mais atraentes ao cidadão usam meios políticos de coibirem, em vez de buscarem se modernizar e encontrar meios de competir”.
O que os patinetes explicam sobre o Brasil?
Há alguns fenômenos observados no caso da apreensão dos patinetes que se repetem na política nacional de tempos em tempos, em novelas diferentes.
Inicialmente, verifica-se a sanha regulatória: a vontade que os políticos têm de regulamentarem algo já amparado no ordenamento jurídico, seja por normas anteriores, seja por princípios gerais presentes na disposição legal existente. Se nada for feito, o político não conseguirá capitalizar sua imagem, não aparecerá em veículos de comunicação, não será objeto de comentários em redes sociais e conversas entre a população sobre o episódio. O ditado de que “quem não é falado, não é lembrado” vale para as urnas. E sempre haverá algum grupo que apoia a regulamentação, mesmo que a maior parte da população não seja favorável a ela.
Vitória, Rio de Janeiro, Balneário Camboriú, Curitiba, Distrito Federal, Belo Horizonte e a Assembleia Legislativa do Espírito Santo são algumas das cidades e estados onde algum político já se manifestou por uma regulamentação em relação aos patinetes compartilhados.
Outro capítulo comum deste enredo é o fato de as regulamentações serem vendidas como necessárias por algum motivo (segurança, externalidades ou preenchimento de uma lacuna legal). Mas elas podem criar falhas de governo, o que ocorre quando os custos de uma intervenção estatal pioram a situação em relação ao cenário anterior.
O terceiro capítulo comum a todos esses episódios é que, a despeito de a burocratização não melhorar a vida dos usuários do serviço, ela abre espaço para a barganha política, que pode se dar de forma legal (como a instituição de uma tarifa para aquele serviço) ou ilegal, como a corrupção ou negociações espúrias. É o popular “impor dificuldades para vender facilidades”.
Além disso, muitas vezes quem está por trás da regulamentação são grupos de interesses de setores que concorrem com o serviço que foi regulamentado. Há indícios, por exemplo, de que o projeto de lei que regulamentou aplicativos de carona coletiva, como Uber e Cabify, foi originalmente redigido no Sindicato de Taxistas de São Paulo.
Embora a propriedade privada e a livre iniciativa sejam princípios constitucionais, o Brasil não vai bem no quesito “direitos de propriedade” no ranking de liberdade econômica divulgado anualmente pela Heritage Foundation e divulgado com exclusividade pela Gazeta do Povo. Na edição de 2019, a pontuação do país foi de apenas 57,3, em uma escala que vai até 100.